LOLA E A FILA


Lola batia o pé esquerdo sem parar. Seu nervosismo era tanto que quase não conseguia se conter: tinha mais era vontade de meter um murro na cara do atendente. Como aquela porra podia demorar tanto?

Que isso gente, tenho o dia todo não. Aguarde um pouco, moça. Tenha paciência. Paciência será o nome da minha mão na tua cara, pensou.
Normalmente ela era difícil sair do sério, mas em certos momentos da vida, ou em quase todos, uma fúria cavernosa tomava conta dela. Ela que a vinte sete anos vinha suportando filas como aquela, num lugar onde o cliente era o dono, grande bosta este slogan.
Olhou para o relógio grande na parede e com a mente projetou um foguete em sua direção, e depois o acionou dando uma risada idiota quando, em sua mente, ele explodiu. Por que a senhora está rindo, tia? Senhora teu cu, rapaz! Virou para frente, dando uma última olhadela feliz no relógio em pedaços. Eu hein, que mal educada essa tia. Ela segurou a língua, antes que caísse em tentação.
Precisava que aquilo acabasse logo. Precisava de um banho, a porra dele ainda vertia, grudada nas paredes da sua coxa. Como ela pode acordar tão tarde?! Mais que merda de dor de cabeça.
Próximo.
Ela olhou para o homem a sua frente. Merda, ainda faltam 11. Que embromação!
Devagar, sua mente recompôs as cenas da noite anterior. Tinha brigado com o Paulo, aquele caralhudo do caralho. Sua raiva aumentou. Desgraçado, como podia olhar pras putas e dizer que não olhou? Fiz bem em mandá-lo para o inferno.
O que você quer de mim? O QUE VOCÊ QUER, LOLA? Já disse que não olhei... como assim... pare de gritar!... Ah, não está?... Meu Deus, você é doente, por que não vai se tratar?... porra, Lola, por que não vem a... VEM AQUI... É, VEM!... VEM, QUE VOCÊ VAI VER O QUE É BOM PRA TOSSE!... OK, VÁ SE FODER, LOLA!!!
Benzinho senta aqui, vamos conversar. Conversar o que, Paulo? Não precisa choramingar, benzinho, não vê que é coisa da sua imaginação? Da minha IMAGINAÇÃO? Sério, Paulo? É claro, eu nunca olharia pra outras mulheres, Lola, você é minha tchutchuca. Sou? Sou porra nenhuma. Pensa que não vi tua cara de tarado, Paulo? Eu conheço aquela tua cara, é a mesma que você usa quando está me comendo! Do que você está falando, Lola? Para com isso, meu bem, vem aqui, deixa eu te abraçar, deixa. Esqueça isso. Provavelmente eu fiz aquela cara porque tava pensando em você. Tava nada, seu idiota. Acha que sou retardada? Ô, Lola, deixa disso. Ele se aproximou dela. Ah, Paulo, vá se foder. Ele a beijou no pescoço. Vá para o inferno, Paulo. Ele baixou as calças.
Próximo.
Agora faltavam oito. Ela olhou para o relógio explodido, merda, já fazia quase duas horas que empacara naquela merda de fila. Suava. Quero tomar a droga de um banho. Estou fedendo a porra.
Olhou seu reflexo no espelho grudado na parede, logo abaixo do nome berrante do lugar. Uma criança começou a chorar, e a cabeça de Lola, que ainda estava perdida naquele mundo onde o relógio havia explodido, voltou para fila e lançou um olhar horripilante para o pai que, sem sucesso, tentava calar a boca do garoto.
Por alguns segundos Lola se sentiu amortecida, era o choro do pivete, os suspiros e tiques ansiosos na fila e as conversas que se desprendiam por todo lado. Sentiu seu rosto ficar vermelho, e eu via a hora que ela iria explodir.
Seu celular vibrou no bolso do jeans. Ela sabia que era ele, e se fosse outra pessoa, seu único desejo era que todos fossem se foder. Ela queria pegar o celular e jogar na cabeça de alguém, ver o sangue jorrar para todos os lados, como em um filme patético de terror, aí todos iriam sair da fila para ver o que estava acontecendo, e nessa hora eu estaria livre, correria até o caixa e seria atendida.
Próximo.
Um monstrinho dentro dela coçava o saco enquanto olhava em volta, a procura da possível vítima.
Moça... Moça... Moça! O que foi, PORRA? Olha pra frente, é a sua vez.
Ela chacoalhou a cabeça e foi até a boneca de longos cílios a sua frente. Finalmente, finalmente, finalmente! Gritava por dentro. O monstrinho estava sentado a um canto, desiludido por não poder por em prática seu plano. Ela viajava, quando ouviu a voz da boneca.

Senhora, desculpe pelo incomodo, mas nosso sistema acabou de sair fora do ar, e não sabemos quando voltará.

Related Articles

0 comentários:

Postar um comentário

Gostou? Deixe seu comentário para sabermos sua opinião!