MEIA NOITE

homem devorado por formigas
Quantos sentiram seu mundo  despencar, o chão fugir dos seus pés, uma dor crônica no fundo do estômago, um aperto no  coração como se não tivesse mais sentido viver? Sentado sobre a luz do luar ele sentia essa profusão de sentimentos, perdido dentro de si mesmo. Como fora tolo em acreditar que ela era única, em pensar que fizera planos para eles, para o futuro deles.
Estúpido.
As lágrimas desciam pelo seu rosto. Ele olhava as estrelas e seu coração palpitava mais lento e doloroso a cada lembrança amarga dos dois juntos. Por que o destino era tão cruel? Por que ela não poderia ser dele? Não dava para entender, e pior ainda, aquela maldita lua da meia noite intensificava sua tristeza.
Estava assim, tendo pena de si mesmo, quando começou a sentir um formigamento em sua mão, subindo em seus braços, descendo pelo seu corpo, chegando a seus pés. Depois o formigamento parou, ele não percebia o que acontecia. A dor da perda era tamanha que amortecia todo seu corpo, anestesiava sua alma e ele não conseguia dar conta do que acontecia naquele momento.
Primeiro foram seus dedos.
Depois um pedaço do seu braço.
Elas trabalhavam rápidas, incansáveis.
A cada picada em sua carne era uma lágrima de sofrimento que rolava dele. Era amor insano e não correspondido que doía tanto. Sua carne anestesiada estava sendo dividida em pedaços pequenos, cubos perfeitos.
Terminaram seus braços e desceram até seus pés.
Primeiro foram seus dedos.
Depois um pedaço de sua perna.
Elas trabalhavam rápidas, perfeitas.
A cada picada era outra lágrima que rolava. O rosto dela se desenhava em sua mente. Ele estava cada vez menos compreendido. Mais sensível à profusão de sentimentos. O sangue escorria de onde fora seus ombros e logo abaixo, as que não estavam trabalhando em seu corpo, brincavam debaixo da cascata quente e úmida do líquido vermelho que vertia de seu corpo.
Se ele parasse de sofrer tanto veria em que sua mísera vida estava se transformando. Mas não. Lá estava ele. Sofrendo por ela enquanto elas começavam a subir mais. Agora já estavam em seu abdômen. Cortavam em triângulos.
Lá em baixo as outras continuavam se divertindo na cascata de sangue morno. Se ele virasse a cabeça veria elas dançarem, algumas se acasalarem de forma louca e animal. Outras comerem uma as outras. Todas debaixo da cascata de sangue quente e vermelho que escorria dele.
Ele continuava sofrendo.
O sofrimento era tão latente. Tão profundo. Tão enlouquecedor. Tão fora de si que ele não percebeu quando tudo sessou. Elas dividiram seu último pedaço de carne, derrubaram seus dois globos oculares no chão, seis delas pegaram e começaram a brincar com eles. A noite foi intensa. Quando amanheceu muitas delas já estavam jogadas no chão. Barriga cheia, saciadas sexualmente e prontas para dormir o dia todo.

O sol veio lentamente por cima do muro da casa e iluminou o esqueleto recostado. O sangue não brilhava mais, estava frio e coagulado. Não restava mais nada dele. Seu sofrimento se fora. A única coisa que ficara para e sobre ele, trabalhando incansáveis, foram um monte de formigas.

                                                                                   

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