LOLA E O SAPATO DE SALTO ALTO


Desgraçado, tudo culpa daquela desgraça de pessoa. Filho duma quenga. Quengueiro, eu disse pra vir me buscar, seu anta. Onde você está, seu monte de merda?

Quem olhasse de longe veria Lola com uma bolsa rosa de lado e os sapatos nas mãos. Parecia, assim de longe, uma prostituta no fim do expediente, mas Lola era pior que isso. Ela era uma dessas pessoas comuns do dia a dia. Dessas que dormia, acordava, trabalhava, comia, cagava, trepava e voltava a dormir. Para ser bem sincero, sempre achei a vida de Lola uma merda.
Desgraçado, você me paga. Vai ficar só na punheta, seu punhetero do caralho. Ela parou debaixo de um poste de luz, tirou o celular da bolsa, que gritou sem bateria. Ô inferno! No que mais minha vida poderia piorar?!
1.    Pagou oitenta para entrar na boate do Jorge. Que nome! Jorge! Esse desgraçado tem nome de funkeiro ou sambista. Jorge...
2.  Ela pagou oitenta reais, oitenta bostas de reais, para entrar na boate do Jorge, que tinha esse nome porque sua mãe quis homenagear seu avô. Jorge, que lembra funk e samba. Ela odiava funk e samba.
3. Ela pagou oitenta reais, quase arrependida pelo desperdiço de dinheiro, para entrar na pobre boate funkeira e sambista do pobre Jorge. Talvez eu devesse usar esse dinheiro para depilar minha b*ceta, já estou vencida, merda.
4.      Ela pagou oitenta reais e ficou parada na frente da boate do Jorge, que tinha um nome que lembrava samba e funk, ela odiava funk e samba. Detestava quando seus colegas de serviço a chamavam para rodas de samba/pagode/funk.
5.      Definitivamente não está certo. Vou tentar de novo.
6.      Lola pagou oitenta reais para entrar na boate e parou, observando o céu sem estrelas, por alguns segundos. Depois, trotando em cima de seus quinze centímetros verdes, passou pelo segurança, que não tirava os olhos de seus melões, que quase pulavam para fora do vestido preto. Ela sorriu e trotou mais, como se o olhar do segurança fosse um incentivo para seu rabo descer e subir com mais ênfase.
Ela sabia que era gostosa, então sorriu. O barulho da boate sucumbiu seu trote, e ela parou, nas escadas, e olhou para baixo, para o amontoado de pessoas iguais a ela, esfregando seus cus, paus, e b*cetas uns nos outros. Quase um sexo coletivo selvagem, uma orgia desenfreada.
O que aquelas pessoas faziam de suas vidas, fora da boate do Jorge? Ela olhou para o dj, que sorte, só o nome lembrava funk/samba/pagode. Ela odiava. Demorou um pouco para encontrar Fran, Carol e Luci, amigas, (nomes ficticios para preservar o bom caráter) como elas gostavam de se autodenominar. Mas se Lola fosse sincera, nem mesmo se lembrava quando era o aniversário delas, lembrava? Pelo menos Lola achava que amigas deveriam saber coisas uma das outras, tipo o aniversário. Ela não compreendia isso, mas se deixava incluir no rótulo.
Lola as encontrou gritando e acenando como loucas: aqui, Lola, aqui! Ela desceu as escadas e passou entre as formiguinhas que se acotovelavam no ritual de acasalamento. Vamos dançar, decidiram as amigas. O que Lola logo descobriu ser uma tortura. Que arrependimento do capeta, deveria ter usado os oitenta reais para me depilar mesmo. Seu dedinho minguinho chorava, horrorizado com o coro verde dos quinze centímetros.
LOLA, QUER UMA BEBIDA? Carol gritou. Quero qualquer merda que tiver. Carol saiu. VOU SENTAR, berrou ela para as outras. POR QUÊ? Fran perguntou. Culpa dessas merdas de quinze centímetros, ela apontou.
As três voltaram para o canto. Do dedinho o grito percorreu as pernas e chegou a cabeça de Lola, que pegou o celular dentro da bolsa e descobriu que estava sem bateria. ME EMPRESTA O SEU? Berrou. Ligou para o Paul, que prometeu buscá-la em meia hora.
Eu posso aguentar meia hora, pensou. Olhou para os sapatos verdes e os amaldiçoou. Os picaria em pedaços tão pequenos que não seria possível reconhece-los no final. Malditos.
Pensou em tirá-los, já que estava sentada. Mas percebeu que um homem qualquer, relativamente gostoso, a encarava. Não poderia passar por essa vergonha. O coração bateu nas pontas dos pés, tão forte, tão intenso, que ela pensou várias palavras, mas não achou uma maldita que sustentasse sua raiva.
Fodam-se eles.
Fodam-se todos.
Foda-se Jorge.
Foda-se a boate.
Foda-se quem fez aqueles sapatos.
F-O-D-A-M-S-E.
Duas horas e ele não apareceu. Lola tentou ligar novamente, mas o desgraçado havia desligado o celular. Ela calçou os sapatos, deu tchau às amigas e trotou para o meio da boate, local máximo até onde conseguia caminhar. Parou, irritada. Uma massa a encoxava, achando que ela estava ali para isso, abaixou,  alguém socou o cotovelo em sua cara, outro enroscou o vestido nos seus cabelos. O suor pingava. Porra, caralho. Conseguiu tirá-los em meio ao esforço e atropelando os próprios pés, desgadeiada, saiu para o mormaço da madrugada.
Onde eu parei mesmo? Ah!
Desgraçado, você me paga. Vai ficar só na punheta, seu punheteiro do caralho. Ela parou debaixo de um poste de luz, tirou o celular da bolsa, que gritou sem bateria. Ô inferno! No que mais minha vida poderia piorar?!
O vontade de esfregar a cara do Paulo na parede.
Idiota. Ela parou no meio da rua, no mesmo instante que um trovão cortou o céu. Gotejou. Choveu. Lola olhou para cima. Deus estava de brincadeira, não? Borrou a maquiagem com a mão e saiu trotando.

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