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CONTOS
Lola
Mirian Kardoso
OUTROS
LOLA E O SAPATO DE SALTO ALTO
Desgraçado,
tudo culpa daquela desgraça de pessoa. Filho duma quenga. Quengueiro, eu disse
pra vir me buscar, seu anta. Onde você está, seu monte de merda?
Quem
olhasse de longe veria Lola com uma bolsa rosa de lado e os sapatos nas mãos.
Parecia, assim de longe, uma prostituta no fim do expediente, mas Lola era pior
que isso. Ela era uma dessas pessoas comuns do dia a dia. Dessas que dormia,
acordava, trabalhava, comia, cagava, trepava e voltava a dormir. Para ser bem
sincero, sempre achei a vida de Lola uma merda.
Desgraçado,
você me paga. Vai ficar só na punheta, seu punhetero do caralho. Ela parou
debaixo de um poste de luz, tirou o celular da bolsa, que gritou sem bateria. Ô
inferno! No que mais minha vida poderia piorar?!
1. Pagou
oitenta para entrar na boate do Jorge. Que nome! Jorge! Esse desgraçado tem
nome de funkeiro ou sambista. Jorge...
2. Ela
pagou oitenta reais, oitenta bostas de reais, para entrar na boate do Jorge,
que tinha esse nome porque sua mãe quis homenagear seu avô. Jorge, que lembra
funk e samba. Ela odiava funk e samba.
3. Ela
pagou oitenta reais, quase arrependida pelo desperdiço de dinheiro, para entrar
na pobre boate funkeira e sambista do pobre Jorge. Talvez eu devesse usar esse
dinheiro para depilar minha b*ceta, já estou vencida, merda.
4. Ela
pagou oitenta reais e ficou parada na frente da boate do Jorge, que tinha um
nome que lembrava samba e funk, ela odiava funk e samba. Detestava quando seus
colegas de serviço a chamavam para rodas de samba/pagode/funk.
5. Definitivamente
não está certo. Vou tentar de novo.
6. Lola
pagou oitenta reais para entrar na boate e parou, observando o céu sem estrelas, por alguns segundos. Depois, trotando em cima de seus quinze centímetros
verdes, passou pelo segurança, que não tirava os olhos de seus melões, que
quase pulavam para fora do vestido preto. Ela sorriu e trotou mais, como se o
olhar do segurança fosse um incentivo para seu rabo descer e subir com mais
ênfase.
Ela
sabia que era gostosa, então sorriu. O barulho da boate sucumbiu seu trote, e ela
parou, nas escadas, e olhou para baixo, para o amontoado de pessoas iguais a
ela, esfregando seus cus, paus, e b*cetas uns nos outros. Quase um sexo
coletivo selvagem, uma orgia desenfreada.
O
que aquelas pessoas faziam de suas vidas, fora da boate do Jorge? Ela olhou para
o dj, que sorte, só o nome lembrava funk/samba/pagode. Ela odiava. Demorou um
pouco para encontrar Fran, Carol e Luci, amigas, (nomes ficticios para preservar o bom caráter) como elas gostavam de se autodenominar. Mas se Lola fosse sincera, nem mesmo se
lembrava quando era o aniversário delas, lembrava? Pelo menos Lola achava que
amigas deveriam saber coisas uma das outras, tipo o aniversário. Ela não
compreendia isso, mas se deixava incluir no rótulo.
Lola
as encontrou gritando e acenando como loucas: aqui, Lola, aqui! Ela desceu as
escadas e passou entre as formiguinhas que se acotovelavam no ritual de
acasalamento. Vamos dançar, decidiram as amigas.
O que Lola logo descobriu ser uma tortura. Que arrependimento do capeta,
deveria ter usado os oitenta reais para me depilar mesmo. Seu dedinho minguinho
chorava, horrorizado com o coro verde dos quinze centímetros.
LOLA, QUER UMA BEBIDA? Carol gritou. Quero qualquer merda que tiver. Carol saiu.
VOU SENTAR, berrou ela para as outras. POR QUÊ? Fran perguntou. Culpa dessas
merdas de quinze centímetros, ela apontou.
As
três voltaram para o canto. Do dedinho o grito percorreu as pernas e chegou a
cabeça de Lola, que pegou o celular dentro da bolsa e descobriu que estava sem
bateria. ME EMPRESTA O SEU? Berrou. Ligou para o Paul, que prometeu buscá-la em
meia hora.
Eu
posso aguentar meia hora, pensou. Olhou para os sapatos verdes e os amaldiçoou.
Os picaria em pedaços tão pequenos que não seria possível reconhece-los no
final. Malditos.
Pensou
em tirá-los, já que estava sentada. Mas percebeu que um homem qualquer,
relativamente gostoso, a encarava. Não poderia passar por essa vergonha. O
coração bateu nas pontas dos pés, tão forte, tão intenso, que ela pensou várias
palavras, mas não achou uma maldita que sustentasse sua raiva.
Fodam-se
eles.
Fodam-se
todos.
Foda-se
Jorge.
Foda-se
a boate.
Foda-se
quem fez aqueles sapatos.
F-O-D-A-M-S-E.
Duas
horas e ele não apareceu. Lola tentou ligar novamente, mas o desgraçado havia
desligado o celular. Ela calçou os sapatos, deu tchau às amigas e trotou para o meio da boate,
local máximo até onde conseguia caminhar. Parou, irritada. Uma massa a encoxava,
achando que ela estava ali para isso, abaixou,
alguém socou o cotovelo em sua cara, outro enroscou o vestido nos seus
cabelos. O suor pingava. Porra, caralho. Conseguiu tirá-los em meio ao esforço e atropelando os próprios pés,
desgadeiada, saiu para o mormaço da madrugada.
Onde
eu parei mesmo? Ah!
Desgraçado,
você me paga. Vai ficar só na punheta, seu punheteiro do caralho. Ela parou
debaixo de um poste de luz, tirou o celular da bolsa, que gritou sem bateria. Ô
inferno! No que mais minha vida poderia piorar?!
O
vontade de esfregar a cara do Paulo na parede.
Idiota.
Ela parou no meio da rua, no mesmo instante que um trovão cortou o céu. Gotejou.
Choveu. Lola olhou para cima. Deus estava de brincadeira, não? Borrou a
maquiagem com a mão e saiu trotando.
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