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CONTOS
Mirian Kardoso
Os Dois Irmãos
Era uma vez uma mulher, grávida de
gêmeos, que morava com seu marido em um reino de paz onde todos se respeitavam
e amavam. Quando chegou a hora da mãe dar a luz, a parteira previra que iriam
ser esperado grandes feitos de ambos meninos, pois gêmeos significavam dobrada sabedoria.
A mãe, feliz, aceitou de bom grado as
predições e amava ternamente as duas crianças. Entretanto a paz que reinava na
casa abalou-se quando noticiaram a morte de seu pai que era militante.
Desesperados choraram e enlutaram pelo homem durante 11 meses, no décimo
segundo mês, como era costume do povo, fizeram em memória do morto um grande
banquete, convidando todos da aldeia próxima.
As crianças eram os centros da atenção,
e todos se encantavam por vê-las tão lindas e perfeitas. Entretanto durante o
banquete uma visita inesperada surpreendeu a todos, era um velho encapuzado,
alto e sombrio, que montado em um monstro negro com manchas cinzas enormes, de
duas cabeças, ricocheteou medo por todos os lados. No mesmo instante os
convidados o reconheceram como o velho bruxo que morava em uma caverna mais ao
fundo na floresta, e assustados afastaram-se das crianças.
Naquela hora o olhar do viajante recaiu
sobre elas e disse. “Lindos meninos. Não teria um copo de chá quente para
aquecer um pobre velho?” A tremula mulher mais que depressa lhe trouxe na
melhor taça, quando a figura sombria pegou na taça, sussurrou “Estranho não
convidarem-me para a festa in memória.” Ele sorriu friamente. “Mas sou de
imensa bondade. Em troca de amaldiçoar sua geração, pedirei educadamente que me
ceda um de seus meninos.” Caminhou até eles e tocou com dedos longos e finos sobre
o rosto das crianças inocentes. “Este” decidiu-se ele. “Este é diferente...” A
mãe tentou explicar que não o havia convidado por não saber de sua existência,
mas nada modificou sua decisão. O velho encapuzado segurou a criança que agora
chorava e retirou-se, deixando para trás uma casa aflita e ainda mais
machucada.
Passaram-se anos, o filho que lhe
restara agora já moço e muito bonito, entretanto tinha um caráter por vezes
estranho, maltratava pequenos animais para vê-los sofrer, mas era repreendido
pela bondade materna. Nunca soubera que tinha outro irmão, a mãe decidira por
esconder-lhe, pois assim atenuava seu sofrimento.
Mas o destino conjeturava outros
planos, e aconteceu que enquanto a derradeira árvore saldava sua derradeira
folha, anunciou-se o desaparecimento da princesa, filha do rei Claudius, o
Bondoso. O rei em seu desespero prometeu: “O cavaleiro que resgatar minha filha
terá a chave para seu outro reino, mais a mão da princesa, e se sentará ao meu
lado no banquete real”.
Na época muitos bravos e corajosos
homens foram atrás, mas eram vencidos pelos obstáculos que encontravam no
caminho, obstáculos estes que foram postados por um grande feiticeiro.
O moço, que agora se tornava homem, ao
ouvir a história sobre a recompensa do rei deixou a mãe e partiu a procura da
princesa, o seu coração dilatava diante da promessa de riqueza e do poder que
alcançaria. Quando chegou a um caminho deserto da floresta, encontrou um
casebre pobre e miserável, resolvido pedir pouso, parou seu cavalo e bateu
palmas. De dentro do casebre apareceu um casal de velhinhos que o recolheu e
carinhosamente serviu-lhe comida e deu-lhe sua própria cama para que
pernoitasse. O jovem esperto perguntou-lhes sobre o caminho e suas dificuldades
para descobrir o paradeiro da princesa, e eles lhe deram um pergaminho que
dizia para ser entregue aos que pedissem pouso.
No pergaminho, em letras prateadas e
corridas, lia-se: “Aqueles que se aventurarem deverão recolher do seio
carinhoso e materno a chave para o portão do castelo.” O enigma era estranho,
mas o jovem inteligente depois de muito pensar sabia o que deveria fazer. Pela
madrugada acordou antes dos velhos e sorrateiramente apunhalou o coração de
ambos. De dentro do coração retirou uma pequena chave que guardou próxima ao
peito. Assim como fizera a sangue frio aquele assassinato, não hesitou em
realizar novos feitos maléficos, que qualquer homem com uma réstia de humanidade
no coração não faria.
Em cada empreitada sua ambição
aumentava, seu desejo pela metade do reino crescia, e onde passava devastava,
machucava e agoniava, tirava toda felicidade. Até que finalmente, na última
curva ao norte do caminho, ao alvorecer da primeira primavera, encontrou o
castelo que diziam esconder a princesa.
Era ricamente adornado com o mais puro
ouro.
Com a chave abriu os portões e
adentrou, era mais lindo por dentro, e não demorou a encontrar a princesa
brincando com algumas crianças no jardim. Ao vê-lo, o sorriso da linda moça
desapareceu e ela correu para o interior do castelo. Confiante que ganharia seu
prêmio, o jovem cavaleiro se precipitou atrás da jovem, quando então se deparou
com sua imagem parada ao pé de uma escada. Assustado perguntou “Você sou eu?” A
sua imagem cruzou as mãos e disse “Jamais seria. Seu coração é negro.” O
cavaleiro retirou a espada do bojo “Veremos que coração continuará a bater.” O
jovem, entretanto, apenas olhava aquela copia ambiciosa a sua frente, e sentia
muita pena de seu destino. “Antes de matar-me, permita que eu cure todas as
doenças e destruições que você fez para chegar até aqui. Pois me recuso a relar
em um fio de seu cabelo.” O cavaleiro assustou-se “Será você capaz de dar vida
aos mortos?” Riu-se desdenhoso. Mas o rapaz apenas sorriu. “Veremos.”
Juntos retornaram no caminho, enquanto
o jovem tampava as feridas com unguentos, socorria aos que estavam feridos,
recolhia os que estavam mortos e os enterravam, orava por eles, uma oração
rápida e reconfortante para os que ficaram. Depois de despejar sua bondade
sobre eles, retornou para o palácio, onde a princesa jogou-se aos seus pés e
pediu que salvasse a si mesmo.
Mas ele conhecia seu destino.
“Estou pronto. Faça.” O cavalheiro
olhou para aquele ser que tanto parecia com ele fisicamente, mas eram tão
diferentes que não poderiam ficar juntos em um mesmo lugar. Com a espada pesada
decepou a cabeça do jovem feiticeiro. Pegou a princesa desfalecida e exigiu seu
premio. Nunca mais o reino viu a antiga bondade, muitos sofriam na alma, outros
eram acometidos de doenças terríveis na carne. Mas o feitiço do jovem
feiticeiro ainda existia, para reconfortar aqueles que precisassem e
principalmente para dar esperança de que um dia, quem sabe, esse feiticeiro da
bondade retornasse.
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